sábado, 5 de julho de 2008

ELAS IV

Na quarta-feira eu acordava com batidas fortes à minha porta. Eram contínuas e cada vez mais fortes. Eu nem havia me recuperado do que ouvira de Larissa na noite anterior, já que não era chamado de amor por uma mulher havia pelo menos uns 30 anos, nada pior para um trintão, e já me esmurravam a porta anunciando problemas.
- Já vai! Já vai!
Procurava meu par de chinelos e seguia até o impaciente.
- Pois não?
Eu abria a porta ainda com os olhos fechados por conta da luz da manhã. Eu só conseguia enxergar um quadril atraente vestido com uma calça familiar.
- Acorda Charles.
A voz denunciava logo antes de qualquer tentativa minha de adivinhar.
- Oi Valéria. Bom dia.
- Bom dia. Precisamos conversar.
- Mas a essa hora da manhã?
- Quanto mais cedo melhor.
- Tudo bem, entre.
- OK.
- Deixe-me escovar os dentes e jogar uma água no rosto, sim?
- Vai lá.
Eu seguia até o banheiro já imaginando o assunto de nossa conversa; Larissa. “No mínimo a garota deve ter contado à tia com aquela carinha de inocente que me chamou de amor ontem à noite. Estou ferrado”.

Valéria acendia um cigarro dos meus, como sempre, ligava minha TV, como sempre, e ficava passando de canal em canal, como sempre também. Nós já nos conhecíamos há anos. Com a gente não tinha cerimônia. Professora de língua portuguesa, Valéria sabia me corrigir em todos os meus erros da fala, porém, tinha péssimos hábitos de educação, pelo menos comigo.
- Pronto. Pode falar. O que lhe traz aqui à essa hora?
- Você já deve saber.
- Não. Não sei.
- Ora, Charles. Você acha que eu nasci ontem?
- Não. Eu nem estaria aqui para achar isso.
- Ridículo.
- Desembucha.
- É sobre a Larissa.
Eu sabia.
- O que tem ela?
- Sei que estás doido para se aproximar dela.
- Como sabe disso?
Eu tentava ganhar tempo enquanto acendia um cigarro.
- Acha que não noto a maneira como você a olha?
- Mas quando eu a olho? Nunca a vejo. Só à noite, quando vocês sentam na porta de casa, mas quando eu saio para fazer uma fumaçinha vocês entram, não?
- É sobre isso mesmo. Desde que a viu no domingo, tu passas a fumar um cigarrinho quanto estamos ali fora.
- Ora, Valéria, eu sempre fiz isso durante quase toda a minha vida.
- Está louco.
- Você é que nunca me reparou. Eu sempre saio por volta de umas 20h para fumar na porta de casa há mais ou menos 15 anos e a vejo sentada na sua, sendo que você sempre está acompanhada por um de seus amigos etc.
- Não me diga que nunca o reparei. Você mora do lado da minha casa, ora.
- Pois é. E não repara. Agora vem me dizer que passei a ter esse costume unicamente para notar a sua sobrinha? Faça-me o favor.
- É isso mesmo.
Valéria parecia querer que eu soltasse alguma coisa através da raiva. Ela queria me ver com raiva. Até então eu nem sabia se Valéria tinha conhecimento dos meus encontros com Larissa.
- E se fosse? Qual seria o problema? Sua sobrinha é uma graçinha e qual mal teria se eu resolvesse admirá-la?
- Não quero você perto da Larissa. Não com essas intenções.
Ela conseguia o que queria.
- E QUE OUTRAS INTENÇÕES EU TERIA COM A GOSTOSINHA DA SUA SOBRINHA?
- Eu sabia! Vou avisar a Vanda que Larissa voltará para Porto Alegre ainda essa semana!
- Mas, meu Deus! O que você pensa que eu sou? Um monstro, Valéria?
- NÃO!
- Então por que todo esse estardalhaço por causa de minha aproximação com Larissa? Você está maluca? Pirou?
- NÃO QUERO QUE ELA TENHA COM VOCÊ AQUILO QUE EU NÃO TIVE!
- Ah?
- É isso mesmo.
Naquela hora eu gelava.
- É isso mesmo, Charles, - dizia Valéria -, você acha que não sei que sempre foste caído por mim? Acha?
Eu ficava mudo. Preferia ouvir.
- Durante nossa adolescência você deu todos os sinais de que morria de amores por mim. Aquilo me balançava, porém, meus pais sempre diziam que você não era um rapaz que merecesse um coração de nenhuma de suas filhas. Meus pais sonhavam com casamentos milionários, como foi o de Vanda e César Augusto. Mas eu não tive a mesma sorte. Hoje, com 32 anos, estou longe de agradar meus pais.
- Quer dizer que nunca me deu chances por eu ser pobre?
- É.
Eu definitivamente não sabia nada sobre elas.
- Que ótimo. Nosso tempo acabou.
- Espere.
- Diga.
- Eu ainda balanço com você.
- Não me venha com essa, Valéria, por favor.
Eu a conduzia até a porta.
- É sério. Isso que demonstro na verdade é ciúme de Larissa. Nem sei por que lhe apresentei a ela no domingo.
- Apresentou porque tinha que apresentar. Agora vá.
- Não. Diga-me que não tentarás nada com Larissa. Diga.
- Não.
- Não o quê? Não tentarás?
- Não. Não atenderei o seu pedido.

- TIA!
Larissa adentrava à minha sala.
- Volte para cama, Larissa.
Respondia Valéria.
- VOCÊ PENSA QUE NÃO OUVI A CONVERSA DE VOCÊS?
Pronto. O circo começava a pegar fogo.
- Ouviu o quê, Larissa?
- COMO ASSIM O QUÊ, TIA? OUVI VOCÊ DIZENDO QUE TENS CIÚMES DE MIM COM CHARLES.
- Não, Larissa, eu...
- POIS FIQUE SABENDO QUE O AMO. SE VOCÊ NÃO SOUBE VALORIZAR O SENTIMENTO DE CHARLES QUANDO PODE, DEIXE-ME FAZÊ-LO.
- Como assim “o ama”?
- ISSO MESMO QUE VOCÊ OUVIU.
- Larissa, pare de gritar!
- NÃO. AGORA ESCUTE! EU E CHARLES ESTAMOS JUNTOS. ENTENDEU? JUNTOS!
- Mas... Escondidos de mim?
- Ora, Valéria, eu não sei o que dizer.
Eu interrompia.
- Não há nada a dizer, Charles. Larissa voltará para Porto Alegre amanhã mesmo. Deixe Vanda saber disso!
- NÃO VOLTO. NEM QUE EU FIQUE AQUI NA CASA DE CHARLES, MAS SÓ VOLTO PARA CASA NO FIM DE JULHO. SE VOLTAR!
- Charles. Faça alguma coisa. Olha no quê você transformou minha sobrinha.
- Eu?
Via-me diante de total confusão. Se eu já não entendia as mulheres, aquela cena era o ápice de meu desconhecimento. Ia então até Larissa.
- Valéria, vá para casa. Deixe-nos um minuto, por favor.
- Tudo bem.
Valéria saía pela porta com os olhos cheios de lágrimas.

- Larissa. Não precisava todo esse alvoroço.
- Como não, Charles? Ela dizendo que tem ciúmes de mim. Querendo atrapalhar um sentimento tão forte que eu nem sei direito ainda como lidar. Eu estou lhe amando, Charles. O fato de minha tia dizer que ainda “balança” por ti me deixou furiosa.
- Eu entendo.
- Me amas?
- Olha Larissa...
- Me amas?
Eu não sabia o que responder e ao mesmo tempo não queria negar uma pergunta daquela num momento daquele.
- Amo, Larissa. Amo.
- Então vamos para Porto Alegre.
- Mas...
- Mas o quê?
- Larissa, mal nos conhecemos. E além do mais, toda minha vida está aqui. Outra. O que Vanda diria? As coisas não são assim tão fáceis.
- O que você tem aqui? A orquestra do Clube dos Líderes? Você é a pessoa mais especial que eu já conheci, além de tocar trompete divinamente. Aposto que lá você teria o valor que merece.
- É cedo para falarmos nisso. Só me promete uma coisa.
- O que você quiser.
- Vá para a casa de sua tia e faça as pazes com ela.
- Mas...
- Por favor. Ela é o que nos separa, mas é também o que nos manterá junto até o fim de julho. Entende?
- Sim. Você está certo.
- Diga que não me verás mais. Manteremos nossos encontros. Eu prometo.
- Está bem.

Larissa batia fechava a porta e me deixava ainda mais confuso que minutos antes. Eu estava diante de duas loucas que de domingo para cá só me fizeram confundir mais minhas conclusões sobre o sexo feminino. Sendo mais direto, eu estava completamente enrolado num emaranhado de sentimentos e revelações que no final só me faziam querer os braços de Larissa ainda assim. Eu me enganava mais e mais.

6 comentários:

Anônimo disse...

tô adorando isso!

Ricardo Jung disse...

cumpadi

desista de entend�-las

tens carisma nas palavras

W.G.A disse...

muito complicado isso...

Anônimo disse...

nossa.
virou novela mesmo!

rs.


bjo.

Anônimo disse...

mas aposto que ele ainda quer a tia.
mas a tia tomou uma postura de mal amada e chata, ashuHSUAHuhua
aah, novela legaal, adorei mesmo!
li num piscar de olhos.

\o/

Vanessa Sagossi disse...

^^
Eitaa!
Muito legal!
Quando postar mais um capitulo avisa..
Beijos!
(: