quarta-feira, 3 de setembro de 2008

ELES II

O Jazz Bar não fica muito longe, logo, íamos andando mesmo. Pelo caminho, quase não falava, preferia ouvir o que Charles tinha a dizer. Ele estava inspirado naquela noite. Por conta das cervejas grátis, tudo bem, mas inspirado. O sorriso no rosto de Charles era coisa rara de se ver. Só mesmo em uma noite “como aquela” em que ele assistiria o show da Mônica Lisboa e estaria perto dos músicos que sonhava ser é que se podia presenciar tal semblante.
- O ano já se aproxima do final.
- É.
Eu concordava friamente.
- Como passa rápido, não?
- Sim. Muito rápido.
- Já parou para pensar que a cada passo que damos, cada segundo que corre, cada rua que atravessamos, nossos corpos vão envelhecendo numa proporção micro imperceptível? Só nos damos conta de nosso estado atual quando nos deparamos com fotos de nossa juventude. Já pensou nisso?
- Sim. Claro.
- Somos como as coisas e o lixo. Temos o nosso tempo de vida útil até que apodrecemos e morremos.
- É.
- Eu não quero morrer antes de...
Antes de me beijar. Antes de me beijar. Fala logo!
- ...Antes de pisar no palco do Jazz Bar ou sentar-me em uma das cadeiras da orquestra do Walter Lins. Sentiria-me útil e realizado. Depois eu poderia apodrecer tranqüilamente.
- Ah sim. Certamente.
Que idiota.

Eu sentia que o objetivo de Charles durante a caminhada era de não me dar chances de falar sobre o ocorrido em julho. Filosofava e questionava a vida e as coisas de maneira frenética. Eu não conseguia acompanhar o raciocínio de Charles. Não mesmo. Ele era inteligentíssimo. O fato é que ele havia me atendido de forma ríspida pela manhã, mas à noite parecia outra pessoa. Eu não entendia no que realmente ele focava. Havia muita coisa a ser focada naquela noite: o show da Mônica, os músicos freqüentadores do Jazz Bar, as bebidas, o nosso assunto, minha boca e talvez as minhas pernas. Charles preferia, pelo menos na ida, agir como se nada houvesse sido revelado entre nós.

Chegando no bar, Charles encontrava alguns de seus amigos. Na minha opinião, um bando desocupado e insistente na carreira musical. Logo no jazz? Ninguém ganha dinheiro com o jazz no Brasil. Mas eu não era tola de expressar minha opinião diante daqueles loucos. Eles me esquartejariam e pendurariam meus pedaços em cada canto daquele bar. Mas eu até que gostava de ver aquela cena. Charles feliz. Era tão difícil fazê-lo sorrir, descontrair-se. Pela primeira vez eu via o quão importante aquele trompete, os amigos e até mesmo as frustrações musicais eram para Charles.

Ele então os cumprimentava com fervor. Luiz “Cabeça”, Fábio “do Swing”, Jair “Duro”, Lílian “Pixinguinha”, Zé “do Sax” e Marcel “Couro de Gato”. Todos com nomes típicos de músico, porém, sem um níquel no bolso. Mas eram todos muito divertidos, quando estavam de bocas fechadas, logicamente. Por isso, eu rezava para o show da Mônica começar logo ou para que Charles me conduzisse a uma mesa.

Eu acenava para cada um de seus amigos e insinuava querer uma mesa só para nós dois, a fim de conversarmos mais à vontade.
- Vamos para aquela, Charles?
- Por que não nos sentamos com o pessoal?
- Bem, Charles. Estamos aqui por um motivo, lembra?
- Sim. Mas podemos conversar depois do show, não?
- Não! Depois do show estarás fora de controle de tanta bebida. Quero você sóbrio.
- Por que?
- Porque não quero que fale comigo achando que sou a Larissa ou qualquer outra mulher que sua imaginação fértil seja capaz de produzir.
Ele emudecia. Despedia-se do pessoal com educação e então sentávamos numa mesa a sós.

Charles parecia inquieto. Não olhava nos meus olhos. Apontava seu olhar para vários lugares e intercalava tais movimentos com pequenas goladas na cerveja.
- Podemos conversar? Antes que o show comece e isso aqui vire um velório?
- Claro.
- Primeiramente queria me desculpar pelo sumiço. Eu estava sem graça e achava que você também não quisesse muito papo depois daquele episódio.
- Valéria, aquele sonho só me deu coragem para lhe falar aquilo que há muito tempo me tomava.
- Mas Charles, você vira para mim e diz que me ama. Estávamos esperando o chaveiro, ou seja, uma situação tão comum e tão desprovida de sentimentos. Eu...
- Meu sentimento assustou você?
- Claro que sim!
- Claro que não, Valéria. Você nunca havia percebido?
- Claro que não!
- Claro que sim, Valéria. Você deve ter percebido em algum dia!
- Claro que sim!
- Claro que sim?
- Você me confunde, Charles!
Ele era um mestre na arte de confundir.
- Só me responda uma coisa, Valéria.
- Sim.
- O que sentes por mim?
- Ora... Eu... Eu gosto de você. Como amigo, mas gosto.
- Sentes vontade de me beijar?
- Beijar?
Eu gelava e tentava ganhar tempo. Gaguejava.
- Sim beijar. Sentes vontade de me beijar?
- Bem, eu...
- Ih. A Mônica vai começar! No intervalo do show continuamos. OK? Agora, silêncio.
- ???
Charles era um completo idiota. Maluco! O que eu estava fazendo ali também? Outra maluca. Como que um cara pode amar alguém e ao mesmo tempo interromper o ápice da realização do sentimento ali proposto? No momento em que minha boca tomava o formato de um beijo, numa atitude experimental, mas de um beijo sincero e até certo ponto morrendo de vontades, Charles mudava o foco. Ele não me amava. Nem amava Larissa. Ele amava a música, a Mônica, os amigos metidos à artista, o Jazz Bar e aquela corneta dos infernos! Isso mesmo! Corneta! Eles estragam tudo sempre. É incrível.

[Continua]

6 comentários:

Anônimo disse...

o Charles é um completo idiotaaaaaaaaaaaaaaaa!!!
hahahaha
to brincando, acho que toda mulher gosta de um joguinho duro...

amanhã tem mais, NÉ?

NathaliA- UCAM

Anônimo disse...

sim, ele é um idiota.
ela é uma chatinha.

rs.

até amanhã! vamos ver se a conversa vai deixar valeria feliz... tá na cara que ela gosta dele!

Anônimo disse...

Realmente os homens estragamtudo sempre é a natureza dele ne.hahaha
mais da pra enterder essa mulher?
uma hr ela ta doida pra que ele fale que quer beija-la e outra ela enrrola.afff

Anônimo disse...

Olha eh fato que todos os músicos eh desse tipo de homem!!
Nunca eixam a musica de lado seja pra qualquer situção, a relação, nossa, conversa sobre isso outro dia.
Por experiência própria e por isso fiquei solteira.

Esse cara, com sinceriade odeio ele.
auhauahuahauhauahau
estou adorando luuuu..
beijosss
:)

Anônimo disse...

Né idiota não...sabe parar no ponto certo!

Malícia! [hehe]

Amanhã!
Amanhã!
rsrs

Luciano Freitas disse...

Fico feliz que estejam acompanhando esta série de contos!