quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O SOL DE ABAJUR

Difícil entender o porquê de uma mulher, em pleno Brasil, um país tropical, não suportar a estação mais quente do ano, eu pensava. Toda aquela agitação das praias, um misto de férias, festa, sol, mar... Tudo num esquema tradicional, cultural e pré-carnavalesco tão envolvente. Uma euforia que transforma tudo em cores, sorrisos, sensações inexplicáveis... É como se no verão tudo fosse felicidade.

Claro. Somar dias longe do trabalho ou estudos às situações bacanas que dão origens àquelas fotos que guardamos para os nossos netos, nos leva a resultados que só podem ser encarados como felizes. Ou não? Não! Esqueça todo o lado bom destes parágrafos ao falarmos de Bianca.

Conheci Bianca na época do colégio. Conheci? Bem, eu a via passar para cá e para lá, apenas. Sabia o seu nome, mas não lembro de como tomei conhecimento. Bianca estudava numa sala ao lado da minha. Ela era sempre a última a entrar. Ficava, como eu, encostada na porta até que o professor chegasse. Por mais que a minha porta ficasse a apenas dois metros, se não me engano, da sua, nós não nos falávamos. Ela não olhava para mim. Se olhasse eu nem saberia, pois estava sempre de óculos escuros.

O ensino médio chegava ao fim e, como todos ali, inclusive os colegas de minha classe, Bianca sumia da minha vida. Bem, os da minha classe reduziram-se a cumprimentos apressados pelo Centro da cidade – nossas tardes são muito mais corridas hoje em dia. Mas e Bianca? Essa eu só voltaria a ver... Deixe-me ver... Semana passada! Sim! Na semana passada eu a vi! Isso! É por isso que estou escrevendo, meu Deus! Vou contar.

Eu estava num ponto de ônibus. Fazia um sol de rachar e o asfalto parecia querer pular em nossos colos. Tipo "vem dar um abraço aqui no seu asfaltinho quente, vem". Então, bem por aí. Eu estava a caminho do escritório, mas só passaria por lá para pegar as minhas coisas e logo depois partiria para casa. Já pensava em um sábado sob uma sombra, com os pés na areia e cercado de amigos e cervejas. Até que um "oi" mudaria todos os meus planos.

- Oi - e
u respondia ainda de costas. Virava-me imediatamente.
- Lembra de mim? - dizia ela.
- Você é aquela menina que estudava...
- Isso! Lembro de ti.
- Eu também lembro de ti. Bianca, não é mesmo?
- Como sabe meu nome?
- Não sei. Mas sei que sei. O meu você não deve saber, não é?
- Não mesmo. Desculpe-me.
- Que isso, tudo bem. Nós nem nos falávamos. Meu nome é David.
- Prazer, David.

Ela ria.

Era outra mulher. Jamais imaginaria que Bianca viria falar comigo. Sempre me pareceu tão esnobe e anti-social. E o sorriso? Nunca vira aquele sorriso. Nunca estive de frente à Bianca, para falar a verdade.

- E o que anda fazendo? - perguntava Bianca.
- Trabalhando. E muito.
- Sim, mas em que você trabalha?

"Claro, seu idiota", eu pensava.

- Ah! Sim! Eu trabalho com criação e vendas de softwares.
- Bacana.
- E você?
- Escritora.
- Isso sim é bacana. Vive disso?
- Sim. Não me vem muito, mas dá para viver sim.

Eu notava que Bianca, apesar de demonstrar muita simplicidade ao falar de seu emprego, vestia-se muito bem. Sua pele era branca, os cabelos estavam cortados num feitio que não sei descrever, mas me pareceu bem moderno. Ela usava uma calça larga de cor branca, que me passava uma sensação de conforto enorme. Uma camiseta bacana, uns colares, um par de óculos de sol – como sempre –, uma mochila verde musgo e uma garrafinha de água mineral na mão direita completavam minha visão. Ela sempre foi uma menina muito bonita e havia se tornado, eu concluía, uma mulher mais linda ainda.

- E você escreve livros sobre o quê?
- São romances.
- Hum... Interessante. Eu não sou muito chegado à leitura, confesso, mas, a pedido de uma amiga lá do escritório, estou lendo um que... Deixe-me pegar aqui na pasta... Estou adorando. Um tal de "O Sol de...".
- "O Sol de Abajur".
- Isso! Você conhece? Claro! Escritores lêem muito, não é?
- Sim. E escrevem muito também. Esse livro é meu, David.
- O quê?

Eu pegava o livro e, só então, me atentava ao nome do autor. Ou melhor, da autora. "Bianca Tavares".

- Nossa! Mas... Mas que bacana! Escreves muito bem!
- Obrigada.
- Você possui quantos livros publicados?
- Sete romances e quatro coletâneas de contos. Esse que está lendo foi o meu último lançamento.
- Nossa! Que coincidência. Eu, você, o seu livro aqui na minha bolsa. Estranho.
- Estranho mesmo. Como esse calor. Como está quente, não?
- É. Mas eu adoro esse sol. E você?
- Não. Eu não. Detesto o verão.
- Está brincando!

Na verdade eu já imaginava, por conta de sua pele tão alva.

- Juro! Só estou aqui nesse sol porque precisei passar na editora. Sabe como é. Burocracias.
- Posso imaginar. Mas vem cá. Uma bebida, à noite, você não curte? As noites de verão são boas, vai.
- Sim. Se estiver ventando bem, eu gosto sim.
- Bem, eu acho que temos bastante coisa para conversar. Os tempos do colégio, sua carreira tão fascinante e até algumas dúvidas que me surgiram em seu romance "O Sol de Abajur". Podemos nos ver? Prometo que só lhe busco se estiver ventando bem!
- Bem, eu não tenho nada marcado para hoje à noite. Acho que será legal sim.

Bianca me dava o endereço de sua casa, que ficava – pasme – bem em frente à praia que eu mais freqüentava. Vida de escritora não devia ser nada fácil mesmo, eu pensava ironicamente.

Eu passava em sua casa a umas nove da noite, como combinado. Mas, no caminho, uma tempestade de verão quase me fazia desistir.

Em frente à casa de Bianca, de dentro do carro, eu ligava para ela.

- Bianca, eu cheguei, mas não para de chover. O que eu faço?
- Ora, já que está aqui, acho melhor você entrar, não?
- Se não for atrapalhar.
- Nada. Estou indo aí.

Ela abria a porta:

- Nossa! Está todo molhado. Deixe-me pegar uma toalha.
- OK.
Eu reparava a casa de Bianca. Era linda. Uma organização de dar inveja. Uma casa pequena, sim, mas muito bem localizada e perfeitamente decorada.
- Aqui. Seque-se e entre, por favor.
- Sim.
- Um Whisky?
- Aceito. Com gelo, por favor.
- Uhum.

Eu sentava no sofá de Bianca. Ela trazia dois copos de seu lindíssimo bar.

- Bem, não deixamos de estar bebendo numa noite de verão, não é mesmo? - dizia Bianca.
- Pois é. Mas à sua maneira, não? Com o verão momentaneamente distante.
- Bem, eu me propus à sua, mas a chuva agiu a meu favor. Dá-lhe São Pedro!
- É.
- Mas diga. Antes de entrarmos em papos saudosistas de colégio – dizia Bianca –, me fale sobre sua dúvida a respeito de meu romance.
- Ah! Sim! É que já estou no último capítulo e ainda não entendi o sentido do título. "O Sol de Abajur". Tudo que leio é sobre uma menina introspectiva que tem lá suas análises, etc.
- Bem, longe de querer estragar a sua leitura, mas já estragando, devo lhe dizer que este romance é autobiográfico. Aliás, deixe me fazer uma coisa.

Bianca levantava-se, apagava as luzes da casa e acendia o abajur da sala, que clareava parcialmente seus braços. Sentava-se próximo àquela luz e, com os óculos de sol à face, dizia:

- Esse é o horário em que o sol mais me agrada.

Conversamos durante toda aquela noite e a madrugada também. Eu confessava que escrevia alguns contos de vez em quando e ela implorou que eu os mandasse para que ela pudesse ler. Claro que jamais mostrarei minhas porcarias para ela, uma escritora excelente. Rimos muito e bebemos muito também. Vivemos naquelas horas toda a amizade aprisionada naquela distância de dois metros, do tempo do colégio.

Quando o sol dava o ar da graça, lá para umas seis da manhã, eu me despedia de Bianca.

- É. Acho que já está na minha hora.
- Acho que você não está bem para dirigir, David.
- Sei que não, mas é que já é manhã, e...
- Já sei. Não pode perder a praia, os amigos, a cervejinha.
- Não. Tenho que dormir um pouco e, quando acordar, reler todo o seu romance. Quero lhe entender melhor.
- O seu entendimento sobre mim não virá de minhas páginas, David.
- Mas já é um bom começo, não?

Eu ligava o meu carro e seguia para minha casa. Completamente anestesiado de curiosidade e, sei lá de que mais. Já li o livro pela segunda vez. Entendi o lance do abajur, mas entender Bianca que é bom, nada. Mas hei de entender um dia.

* * *
Foto da Capa: Fabiana Romeo
Leia também O Sol de Abajur II.

6 comentários:

Anônimo disse...

ai que tudo!!!

amie o conto;
amei a capa!

bjsssssssssssss

Anônimo disse...

tadinho... ele leu o livro 2 vezes!!



beijos

Livia Queiroz disse...

Adoreiiii!!

Vc sempre me surpreende!

Adorei a capa, o conto, Bianca, David, Luciano...tudo! rsrsrs


bjaum

CAMILA de Araujo disse...

lindo conto...adorei xD


www.casadobesouro.blogspot.com

Anônimo disse...

gostei, mt bom.

e a capa me lembrou demais a Malu Magalhães uahuahua
pode até não ser parecida mas por essa foto está! rs

bjos

CAMILA de Araujo disse...

Ano passado comentei aqui ainda sendo Casa do Besouro. Mas não falei que além de lindo, o conto é fascinante. Cada cena surge como um take de novela.