sábado, 19 de abril de 2008

DO TUDO AO NADA

O vento já havia cuidado de bagunçar toda a preparação capilar feita por Andréia. Aquilo que há pouco era penteado, tornava-se um fuá para o desespero da menina. Nem tanto. Daniel já estava para chegar quando Andréia cismou de dar um pulo na calçada para ver se o avistava. A chegada do outono fazia aquela tarde parecer anunciar uma chuva que nunca vinha. Era apenas vento. Batendo os pés com força durante as passadas até o seu quarto, a medusa em forma de garota bufava de raiva. O vestido vinho combinando com o par de brincos e a sandália de borracha rasteira fazia a pele branca de Andréia sobressaltar como um efeito especial. O cabelo encaracolado na altura do pescoço e de cachos arrumados se misturou depois da rajada indesejada.

Sem problemas. Andréia trata de se acalmar ao som de um velho disco da Billie Holiday – presente de seu pai – e começava a reconstruir de maneira simples o estrago feito pelo vento. De frente para o espelho, a menina dividia o olhar entre sua tarefa e a foto de Daniel presa na armação de ferro. Sorria aos agudos da cantora que fazia a trilha sonora daquela tarde tão especial. O casal comemoraria as tão curtidas três semanas de namoro. É. A ansiedade deles era tamanha que não conseguiriam esperar mais uma semana para isso. Sem contar que toda sexta-feira eles comemoravam mais uma semana de namoro.

Porém, naquele dia, os pais de Andréia não estavam em casa, para a alegria de Daniel, que não pensava em outra coisa a não ser naquele corpo esculpido em mármore de Carrara livre de qualquer tipo de vestimenta.

Dois dias antes, Andréia havia dito a Daniel a situação em que se encontraria naquela sexta:
- Daniel. Depois de amanhã que dia é?
- Sexta.
- E?
Perguntou em tom de brincadeira Andréia.
- Faremos três semanas de namoro.
- Pois é. O melhor você não sabe. Meus pais não estarão em casa!
- Isso significa?
- Isso significa que...
Sem deixar que Andréia ao menos concluísse Daniel lhe agarrava pela cintura fina e tentadora e lhe rouba um beijo que já dizia todas as intenções do garoto. Andréia sorria sem graça diante do primeiro namorado. Estava feliz demais com as imagens que lhe viam na cabeça. Daniel também. Cada um com suas devidas expectativas.

De cachos re-arrumados, Andréia acomodavam seus dezoito anos no sofá e sentia o cheiro da pizza que havia deixado no forno. Talheres sobre a mesa e um guaraná já na temperatura ideal no congelador. Um DVD do Almodóvar emprestado e uma sala de ar perfumado. Tudo era fundo para beleza de Andréia, que em primeiro plano parecia uma jóia rara num cenário publicitariamente pensado. Era tudo pensando em Daniel.

A campainha toca. Andréia dá um pulo, volta a agulha do disco para a primeira faixa, passa as mãos sobre o vestido e segue até a porta.
- Amor! Entra.
- Tudo bom? Você está linda, Andréia.
- Você também meu amor.
- E então? Tudo pronto?
- Sim. A pizza está quase pronta. Peguei aquele filme do qual lhe falei com a Paulinha e...
- Tudo bem. Mas antes da pizza e do filme eu queria lhe mostrar uma coisa.
- O que?
Pergunta Andréia pensando em várias coisas ao mesmo tempo, até mesmo num difícil anel de noivado.

A maldade dos 24 anos de Daniel fez Andréia apagar de uma só vez todas as opções. Num ato ágil e dotado de certa experiência, o rapaz retira as mãos da cintura que tanto o fascina e as coloca sob o vestido da menina. Agarra os dedos no elástico da peça íntima e puxa com força até a altura dos joelhos. Andréia não pensa. Acerta uma tapa no rosto do Daniel.
- Ficou maluco?
- Você que parece maluca. Por que me acertou?
- Olha o que você fez. O que você pensa que eu sou? O que você pensa que iríamos fazer aqui hoje, Daniel?
- Estamos sozinhos, Andréia. O que você acha que eu quero fazer?
- Meu Deus. Você entendeu tudo errado. Em que momento eu falei que iríamos transar? Pensei em aproveitarmos a ausência de meus pais para jantarmos juntos, ver um filme, namorar...
- Podemos fazer tudo isso, gata. Mas podemos transar também. Qual o problema? Vai dizer que és virgem?
- Sou! E eu não tenho a mínima idéia se será com você que deixarei de ser. Muito menos depois de sua atitude.

Pronto. Todo o clima estava desfeito. Daniel ia com tanta sede ao pote que a chance do que deveria ser a conseqüência de tudo o que Andréia planejava foi por água abaixo nos primeiros segundos do encontro. A pizza queimava, o guaraná congelava, o disco da Billie Holiday pulava e Andréia se enfurecia. Só a excitação de Daniel que não esfriava. Seus olhos seguiam todos os passos da menina que ao tentar ajeitar a calcinha antes arrancada por ele deixou sem perceber que o vestido se enrolasse no elástico da mesma, deixando assim as pernas e um pedaço das nádegas à mostra.

Daniel não agüentava somente olhar. Pulava sobre Andréia e assim caiam juntos no sofá. Andréia tenta resistir, mas a força do rapaz era muito superior a dela. Debatia-se no intuito de se livrar do peso do corpo de Daniel. Andréia começava a gritar.
- Socorro! Socorro!
Nessa altura, o vestido de Andréia eram pedaços de tecido ao chão. A menina não reconhecia aquele que semanas antes despertava seu coração.
- Eu não amei um monstro!
- Eu não sou monstro! Se você relaxar verá o quanto será bom!
- Me larga!
Gritava Andréia aos prantos.

Devido à rapidez de Daniel ao chegar à casa de Andréia, a mesma esquecia de trancar a porta, facilitando assim a entrada de Benedito, o vizinho do lado que ouvia os gritos.
- Saia de cima dela seu maluco.
Benedito puxava o rapaz com a sua força de marceneiro. Acerta dois socos em Daniel que cai desmaiado. Andréia corre para o quarto a procura de uma roupa.
- Você está bem, Andréia?
- Agora estou. Já vou sair.

Benedito vigia o desmaio de Daniel enquanto espera a saída de Andréia.
- Benedito!
Andréia o abraça e o agradece por salva-la.
- O que houve? Quem é esse rapaz? Ele invadiu?
- É, digo, era meu namorado. Ele tentou me estuprar, Benedito.
- Mas como você foi namorar ele? Ele me parece perigoso e um pouco mais velho que você.
- Ele não era assim. Só o conheci realmente hoje. Um monstro.
- E o que eu faço? Chamo a polícia?
- Não. Meus pais nem o conheciam. Iria os apresentar hoje à noite quando eles chegassem. Prefiro que ele suma e nunca mais volte.
- Vou levá-lo para bem longe.

Benedito põe o rapaz na mala do carro e o larga ainda inconsciente num lugar bem longe. Diante do cenário desfigurado, Andréia senta no sofá e chora incontrolavelmente. Olha para aquela bagunça que se tornara a sala de seus pais e não tem coragem nem forças para arrumar.

Os pais de Andréia chegam.
- O que houve por aqui?
- Nada papai.
- Como nada? Por que está chorando? Que roupa é essa rasgada aqui no chão?
- Nada papai.
- Quem esteve aqui? Quem fez isso? Esse perfume...
- Papai. Deixe-me quieta. Tudo que o senhor está vendo aqui é o nada. Eu esperava que fosse tudo, mas não é nada. Entende? Nem a causa e nem a conseqüência do que eu quis. Nada!

Os pais de Andréia não demoraram saber o que havia ocorrido. Benedito contou a eles logo que chegou. Eles entenderam que apesar da inconseqüência digna de um castigo de Andréia aquilo tudo havia sido fruto de um sentimento precipitado, porém, com as melhores das intenções. Dias depois, conversaram com a filha e a admiração de sua inocência, por parte deles, foi maior do que a revolta.

Um comentário:

Anônimo disse...

me lembrou seus primeiros contos.

;-)







beijo.