segunda-feira, 28 de abril de 2008

RASTROS

Sexta-feira, 18:40h. O tumulto provocado pelo imenso fluxo de pessoas que se dirigiam para os pontos de ônibus já era de esperar. Uma chuva forte inundava todo o centro da cidade. Charles permanecia sob a marquise dos prédios da avenida principal. Com uma jaqueta de couro surrada sob uma camisa de malha de igual estado, uma calça jeans e um sapato ensopado pela chuva, Charles parecia o único ser imóvel em meio aquela confusão. Seu rosto de barba mal feita o incomodava bastante, fazendo-o coçar-se sem parar. Somente seus braços se mostravam inquietos sobre um tronco estático.

A pessoa que Charles esperava já se encontrava num atraso de trinta minutos. Não se tratava de um encontro marcado, mas de um acerto de contas do qual Charles estava incumbido de resolver. Marcos, segundo as investigações de Charles, sairia do prédio em frente às 18:10h, no máximo, como em todos os dias. Charles se encontrava ali desde 17:00h. Nada de Marcos. Chegou a avistar amigos de Marcos saindo do prédio com seus guarda-chuvas e sobretudos sob ternos bem ajustados. Seguiram em direção ao estacionamento rotativo onde se encontravam seus carros de última linha. Mas para Charles os amigos de Marcos de nada lhe serviam naquele momento. E na verdade era até proveitoso que os mesmos saíssem antes dele. Encontrar Marcos sozinho seria ainda melhor para os planos de Charles.

As horas voaram como se corressem também daquela chuva que agora já ameaçava as canelas de Charles. Já não haviam calçadas naquela avenida. Subiu na soleira de um bar onde dividia a tentativa de equilíbrio e a observação da portaria do prédio onde Marcos trabalhava. Já passavam das 20:00h e nem sinal de Marcos. Charles resolve então atravessar o rio que se encontrava à frente e subir até a sala do esperado.
- Pois não?
Pergunta o porteiro.
- Eu vou ao 14º andar.
- Sua identidade, por favor.
- Não tenho.
- Preciso de algo para lhe identificar, ora.
- Eu sou cliente da Lemos Advogados.
- Mas eles fecham às 18h.
- Mas o meu advogado está lá me esperando. Acabou de me confirmar no celular.

O porteiro já se encontrava de saco cheio daquela rotina idiota e mais pensava em como ele iria para casa com a cidade naquele estado do que na identificação de Charles.
- Está bem. Diga-me o seu nome pelo menos, para eu preencher essa merda aqui.
- Claro. Otávio de Souza Arruda.
Mentiu Charles.
- Pode subir.
Charles tomava o elevador moderno e vagaroso do prédio. Os pingos que brotavam de sua jaqueta caíam sob o piso do elevador como um ponteiro de segundos. A barba não parava de coçar. Chegava ao 14º andar. Um senhor que deveria pesar uns cento e cinqüenta quilos adentrava quase que ao mesmo tempo em que Charles saia do elevador. O “boa noite” de Charles ficava ao vento e sem resposta. Frente à sala de Marcos, a 1407, Charles procurava ouvir a voz de alguém encostando o ouvido na porta de madeira lisa. Nada. Tocava então a campainha. Nada. Ao colocar as luvas na maçaneta, percebia que a porta se encontrava apenas encostada. Naquele instante, Charles já previa algo de estranho. Não levava três passos a frente para confirmar sua intuição. Marcos exibia quatro tiros no tórax. Charles se dividia entre o espanto e a raiva de terem tomado sua frente no objetivo de lhe tirar a vida. Observava a ausência de qualquer pessoa além do corpo de Marcos no escritório.

Charles era um matador de aluguel experiente, porém, de preço camarada. Era conhecido por não desperdiçar sequer um projétil em seus serviços. Seus crimes não deixavam rastros para a polícia. Charles planejava seguir Marcos até sua casa num bairro litorâneo da cidade, que se encontrava praticamente deserto durante o inverno, e não fazer aquele serviço sujo que acabava de presenciar o resultado. Um chão lavado de sangue que permitia adivinhar todo o percurso feito pelo criminoso estabanado após o ato, pois as pegadas vermelhas sujaram todo o escritório. “Pelo menos o idiota pensou em limpar os pés no tapete antes de sair pisoteando todo o prédio de sangue”. Pensava Charles.

Estava claro que o criminoso o matou e tomou posse, ou pelo menos fez busca, de alguns documentos do escritório, por conta dos arquivos abertos e papéis revirados nos locais onde as pegadas indicavam. Mas isso não cabia mais a Charles, que por sua vez, pensava agora em uma maneira de não ser o culpado pelos quatro buracos de Marcos. Charles descia ainda desconfiado para o térreo.
- Achou alguém por lá?
Pergunta o porteiro.
- Não. Ninguém atendeu a campainha. Mesmo assim, obrigado por me deixar subir.
- Não por isso. Boa noite.
- Boa noite.
A chuva ainda se fazia presente e de maneira ainda mais forte e intensa. Charles chegava com dificuldades a seu carro. Dentro do veículo:
- Alô. Dr. Glauber?
- Sim. Pode falar. Assunto resolvido?
- Resolvido sim. Mas não por mim. Alguém foi mais rápido que eu.
- Ele já estava morto?
- Sim. Quatro rombos no meio do peito. O assassino foi um idiota. Logo, logo aquilo lá vai estar cheio de policiais, repórteres etc. Pelo visto o interesse ali era em alguns documentos também, doutor. Arquivos abertos, marcas em todo o piso, luzes acesas. Enfim, um serviço de porco.
- (Pausa) Bem, então não lhe devo nada, não é?
- Opa. Não é bem assim. Estou investigando o cara faz duas semanas. Corri o meu risco lá no meio daquela porcaria que fizeram. Quero minha grana, doutor!

Quarenta minutos depois, Charles chegava ao escritório particular do Deputado Glauber.
- Charles?
- Sim doutor. Eu mesmo. Quero o meu!
- Calma aí, Charles. Sente-se. Conte-me direito essa história. Quer dizer que você chegou lá e já haviam matado o Marcos?
- Como eu disse, doutor.
- Bom. Tive o que quis sem sujar as mãos. Isso é bom.
- Claro. E as minhas também, doutor. Isso é melhor ainda. Agora, chega de conversa e me dê a grana!

Glauber entrega um envelope contendo os sete mil reais para Charles, que sorrindo diz:
- É muito satisfatório trabalhar para o doutor. Muito obrigado.
Charles agradece em tom de deboche conferindo o conteúdo do envelope.

Charles se levantava da cadeira e seguia até a saída. Num reflexo imediato, Charles sacava sua pistola da cintura virando rapidamente de volta a Glauber, que se encontrava também com o dedo no gatilho e mirando o peito de Charles.
- O que é isso, doutor? Ficou maluco?
Pergunta com a calma de um experiente Charles.
- Deixe o envelope no chão ou eu estouro seus miolos. Eu não preciso mais de você.
- Tente fazer isso e acabarás como o Marcos.

Os dois se mantinham sob a mira um do outro durante quase dois minutos. Mudos. A porta se abria de maneira estúpida dando às vistas de Glauber uma pessoa esperada no momento. Charles, de costas para a visita, se aproveitava do desvio de olhar de Glauber e lhe acertava um tiro certeiro no meio da testa. Imediatamente se vira para a porta e se vê diante do gorducho que havia trombado no elevador do prédio de Marcos.
- Eu conheço você. O que está fazendo aqui? Ou melhor. O que estava fazendo lá naquele prédio?

O gordo tenta sacar um 38 escondido na mala, mas é impedido pelo disparo de Charles na palma da mão.
- Lhe fiz uma pergunta.
- O monte de banhas se ajoelhava e suplicava:
- Está bem. Não me mate, por favor.
- Então responda a minha pergunta.
- Tudo bem. Eu sou ex-militar e antigo amigo do Dr. Glauber. Ele me falou sobre o serviço que lhe dera. Resolvi então propor o serviço a ele pela metade do preço que você o cobrou. Três mil e quinhentos reais para acabar com aquele frango não seria nada mal. Eu ainda colhi os documentos processuais que provavam contra o deputado.
- Você ficou louco? Já havia matado alguém antes, seu idiota?
- Há uns quinze anos atrás, quando ainda era militar.
- Percebi. Você deixou rastros demais naquele local. E por sua causa o ganancioso e burro do Glauber tentou me matar e ainda fui obrigado a matá-lo. Com a enorme merda que você fez lá no Marcos a polícia rapidamente chegará até você e conseqüentemente até o Glauber. Ou seja, você está frito, cara.
- Mas você acaba de matar o político mais influente da cidade, Charles. Como pensa que está agora?

Charles tremia ao pensar que havia cometido o mesmo erro que aquele matador estabanado. Olhava para o corpo de Glauber, que embora estivesse em um escritório particular e retirado do grande centro, iria mover ações incansáveis da polícia para descobrir o assassino. Nesse instante, o gordo é mais rápido e consegue, mesmo com a mão ferida e sob a mira de Charles, sacar seu calibre 38 e acertar dois tiros na cabeça do matador.

Pedro Paulo, o gordo desengonçado, findava ali um total de três mortes, se erguia do chão ferido e com rastros em forma de massa cefálica em sua blusa, porém, com um envelope contendo o dobro da proposta feita a Glauber. Deixava assim, tranqüilo diante das besteiras que cometera, o local em seu carro vermelho. Chamativo como sua aparência e barulhento como seus atos.

2 comentários:

Anônimo disse...

culpa do porteiro! deixa qq um entrar... hehehe.

bjos.

Anônimo disse...

Só tem burro nessa história.
E tá parecendo o coronealismo do Brasil.

^^