quarta-feira, 14 de maio de 2008

20 MINUTOS

Ao comprar o bilhete da barca já levei um susto. Mais um aumento na tarifa. OK. Segui adiante, inseri o bilhete de ouro na roleta e entrei. Percebi que a última embarcação tinha acabado de sair. Odeio quando isso acontece, porque, sem dinheiro, não há nada para fazer durante a espera de longos minutos pela próxima saída, a não ser, folhear as revistas expostas na banca de jornal que fica dentro do salão de espera. Segui até a banca.

No caminho, avisto uma menina de pele alva e cabelos dourados. Elegante, está vestida como uma advogada. Parece advogada. Sentada num banco de madeira com mais algumas pessoas espremidas, ela também me lança o olhar. Gosto do que vejo. Entro na banca e pego uma revista do Tex para passar uma vista. Os trejeitos daqueles personagens sempre me pareceram tão engraçados. A maneira como eles saltam de seus cavalos. Levo um esbarrão. É ela, a advogada.
- Desculpe.
- Tudo bem.
Respondo olhando-a de cima a baixo.
Ela pega uma revista de design para o meu espanto. Imaginava que ela fosse pegar qualquer revista, menos uma de design. E eu aqui com esse gibi do Tex. Que vergonha.

- Nossa que lindo!
Eu sabia que ela tinha soltado a frase por causa da bela gravura vista nas páginas da revista em suas mãos, mas não pude perder a oportunidade.
- O que é lindo?
Ela olha para o meu rosto e responde:
- Essa gravura. Assustei você?
- Um pouco. Por um momento pensei que estivesse falando comigo.
- Hahaha. Não. Foi realmente para a revista que eu estava falando. Desculpe.
- Tudo bem. Era o mais provável mesmo. É advogada?
Puxo assunto.
- Não. Por que?
- Parece.
- Sou designer. E você?
- Eu? Trabalho numa gráfica. Provavelmente já devo ter imprimido algum de seus trabalhos.
Tento fazer ligação entre meu emprego de merda e o dela.
- Sei.
Essa resposta dela foi desanimadora.
- A barca já vai sair. Vou levar a revista. Quer levar o gibi?
- Não.
Nego.
- Eu pago.
Diz ela.
- Imagina. Não precisa.
- Aqui. Essa revista e esse gibi.
Ela paga ao jornaleiro.
- Eu disse que não precisava.
- Presente.
- Mas nem sabemos nossos nomes.
- Aline. E o seu?
- Fábio.
- Vamos?
- Vamos.

Seguimos para a barca. Ela na frente em passos firmes sob uma postura ereta e elegante, e eu, atrás com uma mochila enorme nas costas e as pernas da calça sobrando sobre o tênis barato e sujo. Ainda estranhando todo aquele comportamento da tal Aline, a segui e sentei-me do seu lado. Ela abriu sua revista e eu não tive coragem de abrir o gibi do Tex.
- Escuta.
Diz ela.
- Me acha bonita.
- Sim. É uma gata.
- Me beijaria?
- Como?
- Me beijaria?
- Claro. Por que não?
- É que algo em você me chamou atenção. Não sei o que foi.
Penso em perguntar se ela pretendia me comprar com gibi, mas acho melhor não.
- Então me beija.
- Aqui? Assim?
- É!
Beijei-a. As revistas caíram no chão e em poucos segundos a bolsa dela também caía, chamando a atenção de todos os que entravam e se acomodavam na embarcação.
- Quantos anos você tem?
Pergunta a loira pegando fogo.
- 23. E você?
- 26. Mora com seus pais?
- Moro.
- Não precisa mais. Mora comigo?
- Como? Ficou louca?
- Morando. Não precisará mais dessa merda de emprego.
Impressionante como todo mundo chamava o meu emprego pelo mesmo nome; merda. Mas largar o emprego e ainda ter uma mulher daquela ao meu lado seria bom demais.
- Tudo bem. Levo minhas coisas e moro com você! Quando posso ir?
- Hoje à noite.
Disse ela.
- OK.

Depois de nos beijarmos por mais alguns minutos, ofegante, ela diz:
- Acho que sou louca.
- Por que?
- Onde já se viu? Atirar-me assim em alguém e ainda o convidar para morar comigo!
- Eu achei ótimo.
- Estou arrependida.
- De que?
- De tudo isso. Foi bom te conhecer... é... é...
- Fábio.
- Isso. Foi bom te conhecer, Fábio.

Ela se levanta e segue até a porta da proa. Ficou ali à espera da atracação. A porta se abriu e ela sumiu em meio à multidão. Fiquei ali sentado, sem saber que avião havia me atropelado. O gibi do Tex ela deixou no chão. Foi o relacionamento mais rápido da história da humanidade. Aline.

3 comentários:

Anônimo disse...

hahahaha...
nossa! rápido mesmo, né?!



beijo.

Anônimo disse...

O conto estava tão bom, que até a leitura foi rápida.
Tipo aquele sonho da padaria que se come desesperado e lambuzado.
E não é porque ela se chamava aline, hsHUSAHUHuhua

Kayo Medeiros disse...

lindo! texto ágil, fez o texto correr tão rápido quanto o relacionamento! lindo, lindo! é texto pra se ler numa lapada só!