quinta-feira, 1 de maio de 2008

O CORPO DE NINGUÉM

Cecília era de fato uma mulher de parar o comércio. Sempre bem arrumada, usava de roupas que mexiam com o imaginário presente nas mesas dos bares, nos bancos da praça e no balcão da mercearia, cujo proprietário e atendente era seu marido, o Roberto. Sempre que o corpo e o rosto perfeitos de Cecília se faziam presente, fosse onde fosse, o silêncio reinava e passava os dizeres aos olhos dos que ali já estavam. Na mercearia não, logicamente, mas em qualquer outro lugar, os olhares também davam espaços para frases que jogadas ao vento passavam de longe do coração de Cecília; o mesmo era todo de Roberto.

Roberto era tudo que um marido deveria ser para uma mulher, porém, ciumento. Mas ciumento como nenhum marido deveria ser com uma mulher. Mas Cecília não era uma mulher. Eras um monumento. Uma jóia rara. Não era somente linda por fora, mas por dentro também. Roberto ainda fazia questão de frisar que Cecília era ainda muito mais bela e perfeita por dentro. Imagine o que os homens daquela pequena cidade deveriam fantasiar. Uma beleza como aquela ainda ser menor do que o seu interior? Era demais para aquele monte de desocupado.

Cecília, todos os dias pela manhã, visitava o marido na mercearia.
- Oi meu docinho!
Dizia Roberto com um sorriso que fazia alargar seu bigode.
- Oi meu amor! Tudo bem por aqui?
- Tudo ótimo. Melhor agora com sua presença.
- Bem. Passei aqui para lhe avisar que recebi uma carta do Rivaldo. Meu primo. Lembra?
- Claro que lembro.
Já respondia um raivoso Roberto.
- Não vá começar Roberto!
- Você sabe que não vou com a cara desse seu primo, Cecília.
- Mas o que ele fez demais?
- Toda vez você me pergunta a mesma coisa. Responderei a mesma coisa também: Não gostei da maneira como ele dançou com você em nosso casório.
- Mas Roberto, isso faz dez anos, homem de Deus.
- Não interessa! Espero que lá em casa ele não fique.
- Pois é lá em casa que ele vai ficar Roberto. São apenas dois dias. Daqui ele vai para a casa de Tia Glorinha.
- Mas nem me fale uma coisa dessas, Cecília. Lá em casa não. E ponto final.
- OK. Então vamos brigar por conta de uma bobagem dessas?
- Você sabe que não gosto de brigar com você, minha flor.
- Então aceite que Rivaldo fique lá em casa.
- OK. Mas serão somente dois dias!
- Obrigada Roberto. Eu te amo.

Cecília nesse dia conseguia contornar os ciúmes de Roberto que não ficavam isolados a esse caso tão remoto. Em casa, Roberto tinha o costume de revistar a bolsa da esposa, cheirar as suas roupas de alguns outros atos típicos de um homem que morre de medo de perder aquele espetáculo chamado Cecília, que por sua vez já presenciava algum desses atos, sempre o perdoava. O amava demais.

Roberto sempre fazia questão de acariciar o rosto de Cecília e de dizer que se fosse de seu poder, guardava o corpo dela num cofre, e a deixava sair de casa apenas com o rosto. Ele achava que o que mais chamava a atenção dos homens na rua eram as pernas torneadas e os seios redondos e fartos mesmo sob os cortes comportados da costureira da cidade. Imaginar um rosto saindo de casa sem o corpo era um tanto quanto bizarro para a mente de Cecília. Mas a mesma ria quando ele pronunciava essa cena surreal.
- Guarde meu corpo num cofre não, meu amor. Guarde-o dentro de suas calças. É mais seguro!
Essas frases deixavam Roberto ainda mais louco em suas sugestões incabíveis.

Dois dias depois, Rivaldo chegava à casa de Roberto e Cecília.
- Primo! Que saudade!
- Eu também, Cecília! Estás linda!
- Você também, está um rapaz lindo!
Ela com 29 e ele com 23 anos, se abraçavam com a saudade de mais de cinco anos.
- Oi Roberto. Tudo bom?
Dizia o agora tímido Rivaldo.
- Tudo. Mas deve estar melhor aí, não é? Com a mão na cintura de minha esposa.
- Roberto! É meu primo.
Chamava a atenção Cecília.
Rivaldo retirava as mãos da cintura de Cecília e sem graça apertava a mão de Roberto.
- Eu espero que sua estadia por aqui seja breve.
- Roberto!
De novo Cecília.
- Não se preocupe Roberto. Ficarei apenas dois dias. E nem se dará conta de minha presença.

Envergonhada, Cecília conversava com Roberto enquanto Rivaldo levava suas malas para o quarto de hóspedes.
- Roberto. Que vergonha! O seu ciúme está a cada dia pior. Eu não sei o que será de nós se esse seu sentimento não tiver um freio. Estou avisando.

Rivaldo, de fato quase não parava em casa. Como tinha muitos amigos por ali, passou os dois dias a visitá-los. Em cada casa que passava, recebia a mesma afirmação: “Sua prima está um pedaço, Rivaldo”. Rivaldo apenas ria e se lamentava das grosserias que recebia de Roberto toda a vez que os olhos dos primos se cruzavam.
- Roberto não enxerga o amor que Cecília sente por ele. É um idiota. Ele acha mesmo que eu tenho algo com ela. Ela é minha prima. Está linda. Mas é minha prima e a respeito muito. Além de sem seis anos mais velha do que eu.
Justificava-se Rivaldo.

Na noite do último dia de Rivaldo na casa do casal, Cecília conversava com o primo na cozinha enquanto Roberto tomava banho, ou melhor, fingia tomar banho, pois o chuveiro o atrapalharia de ouvir o papo.
- Rivaldo. Você me desculpe às grosserias de Roberto. Ele é ciumento demais.
- Tudo bem, prima. Eu entendo. Aliás, uma moça linda como você.

Cecília seguia até o rapaz e lhe dava um beijo no rosto que sem querer estalava, para enlouquecimento de Roberto que ouvira e saia do banheiro ainda vestido e com uma boca enorme:
- Escuta aqui seus pervertidos. Debaixo do meu teto eu não vou admitir. Cecília. Não esperava isso de você!
- Mas o que foi que eu fiz?
- Eu escutei o beijo!
Roberto pegava uma faca e partia para cima de Rivaldo, que de malas já prontas na sala, as pegava e sumia. Cecília chorando muito na cozinha pensava que nada mais poderia fazer para conter os ciúmes de Roberto, a não ser apelas para o seu desejo louco de guardar seu corpo em um cofre e deixar apenas o seu rosto ao alcance da cidade. Interpretava o sonho de Roberto da maneira que podia. Alucinada pela raiva, não pensava. Banhava-se com o álcool que lhe estava às mãos e jogava a lamparina sob o corpo. Contorcia-se em meio às chamas, mas enrolava o rosto com a toalha de prato que havia encharcado de água para proteger um semblante que agora esticava de tanta ardência e gemidos.

Roberto ouvia os gritos de Cecília da calçada e entrava correndo para ver o que ocorria. Chegava a tempo de apagar o fogo sob a mulher com ajuda de um tapete pesado que se encontrava na sala.

Cecília ia parar no hospital e viria para casa semanas depois da recuperação das queimaduras. O corpo de Cecília ganhava marcas que ficariam por toda a vida. Roberto constatava, mesmo sem a fala da esposa, que o amor que ela depositava nele foi capaz de fazer com que a mesma se livrasse do que tinha de mais belo. Em casa, e agora somente em casa, Cecília exibia um corpo retorcido conseqüente da loucura em que Roberto conseguiu colocá-la. Aquele corpo não era mais desejado por ninguém, nem mesmo por Roberto, que se arrependia amargamente ao chorar nas fotos antigas de uma Cecília feliz.

A tristeza tomava conta daquela casa. Todas as vezes que Cecília despia-se, as lágrimas nos olhos do casal danavam a rolar. E não agüentando o peso da parcela de culpa que carregava nas costas, Roberto se enforcava sob o galho forte de uma velha árvore no quintal. Cecília perdia ali o último motivo raro de um sorriso. Chorava ajoelhada no gramado.

5 comentários:

Anônimo disse...

aeeeeee. boa parte foi vc, né?!
nossa. coitadinha dela, freitas... fomos crueis com a mocinha.

muito bom o conto! muito bom!
(hahahahahahahahahhahahaha)


beijocas.

Diogo Batalha disse...

nha, nao gostei do final :p

Anônimo disse...

Muito bom o CONTO! bjux

Jéssica Dias disse...

nossa adorei o conto!!!!
concordo com a fabi q vcs foram crueis com a mocinha!!
ahaha
a proposito sou amiga da fabi, e ela me mostrou o conto de vcs!!

gostei!
parabens!

bjs

Vanessa Sagossi disse...

Olá, Luciano!

Gostei bastante desse.
Mas que mulher maluca. E o marido não fica atrás.

Bjuh!