sexta-feira, 16 de maio de 2008

LONGO DIA

O engarrafamento das 7:30h já fazia parte do meu cotidiano. Ele me fazia acordar mais cedo do que eu realmente precisava, já que num trajeto que levaria não mais do que quinze minutos eu levava quarenta para fazer. Livro, jogos de celulares, música, tudo isso eu já carregava na mochila para me entreter até o trabalho.

Naquele dia eu chegava ao escritório por volta de umas 9h. O engarrafamento estava maior do que de costume. Um acidente matava quatro pessoas no centro da cidade. Isso justificava o meu atraso e eu teria a capa do jornal do dia seguinte para comprovar tal situação.
- O que houve?
Perguntava Dr. Haroldo, meu chefe.
- Engarrafamento.
- Sei.
- Morreram quatro hoje.
- Sei. Preciso que você vá ao Rio levar isso aqui.
Era um perfil de alumínio de mais ou menos um metro e meio de comprimento. Um saco carregar esse tipo de coisa. Esbarrava nas pessoas. Uma merda.
- Tudo bem. Deixe só eu colocar a minha marmita na geladeira.
- OK. Rápido.

Pegava então o perfil e seguia para a Tijuca. Já ia pensando: caminhada, barca, caminhada, metrô, caminhada. Com o fone no ouvido, o bandolim de Jacob me levava a outro plano, fazendo todo aquele trajeto e o incômodo do perfil passarem despercebidos. Era o meu jeito de fazer a coisa ficar a meu favor.

Chegando até o local, não dava uma palavra. Entregava o perfil e dava meia volta. Aqueles que me esperavam já conheciam o meu comportamento “longe” em relação àquele trabalho. Voltava para o escritório e dessa vez preferia o livro à música. Caminhada, metrô, caminhada, barca, caminhada. Chegava ao escritório por volta das 12h. Minha marmita precisava de trinta minutos para esquentar, isso significava que eu iria almoçar às 12:30h. Tudo bem. A campainha tocava. Atendi. Era o Dr. Haroldo.
- Preciso que você volte lá.
- Mas acabei de voltar de lá.
- Pois é, mas preciso que você volte lá.
- OK. Almoço e vou.
- Isso.

Estava cansado da primeira viagem e já ficava sabendo que iria voltar. Raiva. A comida descia mal. Mascava um chiclete depois do almoço e ficava no aguardo do material que eu levaria para a Tijuca. Dr. Haroldo chegava de seu almoço de rei.
- Vamos?
- O senhor vai comigo?
- Não. Vou comprar o material e lhe deixo na barca.
- Tudo bem.
Pelo menos dessa vez a ida seria barca, caminhada, metrô, caminhada. Uma caminhada a menos fez uma enorme diferença àquela altura. Já passavam das 15h quando saltava do carro do chefe com oito peças de alumínio de um metro e meio, três metros de tela de náilon e dois reatores. Uma mula de carga eu era. Raiva. Aquela mesma viagem era repedida, só que dessa vez a minha cara não era das melhores. Nem minhas pernas.

Comprava o bilhete da barca com a mesma atendente da manhã.
- De novo?
- É.

Sentava-me semelhante a um balão carregado de cangalhas. Uma merda. Só pensava o que eu estaria fazendo caso não precisasse daquele emprego de merda. Os três números que havia acertado na mega sena da semana anterior vinha na minha mente como um martelo. Tinha sido por pouco.

Na saída da barca, não me preocupava em carregar aquelas peças de forma vertical para que não esbarrasse em ninguém como eu havia feito pela manhã. Levava na horizontal e assim devo ter rasgado belos vestidos e ternos à minha volta. Foda-se.

Na caminhada até o metrô, avistava quatro violinistas mirins e um percussionista se apresentando no meio da calçada. Era Pixinguinha. Só por isso jogava uma moeda das grandes no chapéu dos meninos, mas nem parava para apreciar. Na escada rolante da estação do metrô, encontrava um velho amigo da escola. Sorridente, de terno e gravata e nem um pingo de suor no semblante. Acenei para ele cabisbaixo e ele retribuiu sorrindo enquanto falava ao celular. Eu visualizava naquelas escadas exatamente o caminho das coisas. Eu estava descendo e ele subindo. Como na vida profissional.

Dentro do trem, não havia onde me segurar. Usava as peças de alumínio como bengala e despejava sobre elas todo o meu cansaço. Caminhada. Chegava lá e jogava todo aquele incômodo no chão. Não dava um pio. Meia volta.

Caminhada, metrô, caminhada, barca, caminhada. Enfim. Escritório. 17:30h. “Ainda tenho trinta minutos para descansar até a aula”.
- Entregou lá?
- Sim.
- Vamos digitar essa proposta aqui.
Não acreditava naquilo. Mais? Nem sabia se minhas mãos me obedeceriam àquela altura. Para a minha infelicidade obedeciam.

Saía correndo do escritório direto para a sala de aula. Morto. Acabado. Por uns míseros reais por hora de trabalho eu estava em frangalhos e nervoso. Poderia matar um. Um colega me avisava:
- Seu celular está vibrando. Estou sentindo a carteira vibrar.
- Obrigado.
- Alô.
- Oi amor.
Era minha namorada.
- Oi. Tudo bom? Estou na aula.
- Desculpe.
- Não. Não desligue. Pode falar. O professor ainda não chegou.
- Só liguei para dizer que te amo e que tenho muito orgulho de você.
- Que me amas eu aceito, mas orgulho? Se soubesse o dia que tive hoje. De cão. Tem orgulho de namorar um cão?
- Não. Não namoro um cão. Namoro um cara especial.
- Seu carinho me faz falta durante o dia. Muita falta. Preciso de você hoje.
- Saia daí e venha me ver, ora.
- OK.
Saía novamente correndo da sala de aula rumo à casa de Ana Lúcia.
- Marcos! Você veio! Não acredito nisso!
- Não era para vir?
- Claro que era.

Respondia Ana Lúcia sorrindo e me puxando pela alça da mochila. Um beijo. O beijo. O beijo que fazia ali eu esquecer de todo aquele cansaço do dia. Estava pronto para encarar tudo de novo. O perfume que eu encontrava no pescoço de Ana Lúcia era a fonte de vitalidade e de coragem para encarar todas as minhas derrotas de peito aberto. Ali, nos braços de Ana, me sentia forte. Escondia dela quase todos os meus medos para que ela se sentisse segura ao lado de um cara que nascia para perder. No amor, pelo menos no amor eu desejava continuar vencendo.

5 comentários:

Anônimo disse...

confesso que fiquei morta só de ler! grande marcos!
me senti muitas vezes frenética! na época de faculdade e estágio... nossa! socorro!
hehehhe.

gostei muito do conto. acho q todo mundo que passar os olhos por ele, lembrará de alguma situação "de correr correr correr"

afinal... BOM DIA, LONDO DIA!
CORRIDO OU PARADO... SEJA BEM VINDO!

beijo, sr freitas lucianoo!!

Anônimo disse...

Adorei!

Kayo Medeiros disse...

é, a parada é que passou longe de ser um conto. Tá mais pra relato! XD mas aí, por mais que nessa merda de vida mundana seja necessário que nos rebaixemos para atender às vontades daqueles que nos pagam míseros salários ao final de um mes, é nessas pequenas coisas, como um beijo e um abraço, onde encontramos o verdadeiro valor das coisas, e nossa verdadeira fonte de energia. é, comentei mais hoje do q em todo o tempo q li essas bagaças, mas fazer oq, trabalhar é um porre, e além do mais gostei pra caramba! ^^

Unknown disse...

É.....!!!!!!
Concordo com o Kayo: é um relato!rs

Lindo!

Acontece uma identificação logo de cara com o Marcos, e depois uma total solidariedade...até quem lê fica com preguiça de ter que voltar (rs)...carregar uma infinidade de tralhas...
sofremos juntos...mau humor compartilhado e vivenciado por muitos todos os dias.
Correria...vida passando...correndo...falta de sentido!...aí o celular toca: é o 'sentido' que faltava!
Até do 'lado de cá' ouve-se um longo e sentido suspiro de alívio!rs
Como o próprio Kayo já disse, ai é que se vê o valor das coisas...as coisas que realemente interessam e tem valor nessa vida.

..ai ai....rsrs
Esse conto é lindo!
Muito muito lindo!!!!

Grata moço!
^^

Unknown disse...

Gostei!
Você é um cara inteligente, que bom que a internet permite esse tipo de cultura.